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segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

REVISTA ECLÉSIA - Ginga e devoção ao som do berimbau - Praticantes evangélicos da capoeira montam ministérios e usam o jogo para evangelizar e promover inclusão social


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Ginga e devoção ao som do berimbau
Praticantes evangélicos da capoeira montam ministérios e usam o jogo para evangelizar e promover inclusão social
A roda se forma e, ao som característico do berimbau, praticantes vestidos de branco logo começam o jogo da capoeira. Vigorosos e ágeis, os movimentos são de encher os olhos. As palmas marcam o ritmo, enquanto manobras como cambalhotas, trança-pés e rabos-de-arraia se sucedem. Mas o que chama a atenção ali é o tipo de música utilizada para animar o grupo. Em vez de ritmos tradicionais, como a chula, a ladainha e o corrido, o que se ouve são corinhos evangélicos e brados de “aleluia” e “glória a Deus”. Estranho? Nem tanto. De uns tempos para cá, cada vez mais crentes têm praticado a capoeira, mostrando que, se o coração é de Cristo e a mente está cheia da Palavra de Deus, o corpo pode gingar à vontade. Em todo o Brasil, grupos de capoeiristas crentes montam verdadeiros ministérios que utilizam esse esporte tipicamente nacional, nascido da herança cultural negra, como veículo de evangelismo e ação social. Só pelos nomes dos times – Nova Visão, Shalon, Projeto Ide, Aba Pai, Shekiná e 100% Jesus –, já dá para perceber que os capoeiristas de Cristo não abrem mão de ser identificados pela fé que professam.

“Nós somos, acima de tudo, servos de Deus”, frisa o professor Edson Pedroza, mais conhecido como Mestre Verdinho, 42 anos, sendo 27 de capoeira, e membro do Ministério Internacional Compromisso com a Palavra, igreja sediada no Rio de Janeiro. “Nossos instrumentos e adereços são consagrados, nossas músicas exaltam o nome de Cristo e não praticamos qualquer forma de violência”, explica. Mas ele reconhece que nem sempre pensou assim. Quando se converteu em 2001, Verdinho, que já praticava a capoeira, abandonou o esporte. “Achei que aquilo não agradava a Deus”, conta. Um belo dia, pesquisando na internet, descobriu que seria realizada uma convenção de capoeiristas de Cristo, em Ubatuba, litoral paulista. “Eu me inscrevi e lá conheci vários mestres evangélicos, como Chocolate, Suíno e Serginho da Maré”, enumera. Os apelidos curiosos, para quem não sabe, são uma tradição na capoeira. “Desde então, passei a receber suporte técnico e espiritual desse pessoal. Aprendi que a capoeira é perfeitamente conciliável com o Evangelho”, alegra-se.

A preocupação que Verdinho tinha é a mesma de boa parte dos evangélicos. Comumente associada ao candomblé devido à sua matriz africana, a capoeira é tida como prática profana por muitos crentes e pastores. Um dos motivos é que seus cânticos envolvem ritmos e uso de instrumentos associados a ritos afro-brasileiros, como o atabaque e o agogô. Aliás, o preconceito contra a atividade não tem apenas caráter religioso. A capoeira já foi até proibida oficialmente no Brasil, em 1850. Naquela época, quando ainda era utilizada como luta corporal, dizia-se que era coisa de vagabundos e ladrões – certamente, por discriminação em relação aos negros, já que ainda vigorava a escravidão no país. Quem fosse pego jogando capoeira ia preso e ainda podia sofrer severos castigos físicos. Foi só em 1937, sob o Estado Novo de Getúlio Vargas, que a capoeira deixou de ser legalmente proscrita.

Mesmo assim, o estigma permaneceu por um bom tempo. Hoje, ela perdeu totalmente o caráter de confronto físico e é parte importante do folclore brasileiro. Por todo o país, e sobretudo na Bahia, o jogo é uma importante manifestação cultural, reunindo em suas rodas gente de todos os tipos e origens. “A capoeira é uma atividade que condiciona o físico e a mente. Além disso, muitos grupos se envolvem em atividades educativas e prestam um importante serviço de integração social para jovens e crianças”, elogia Mestre Camisa, um dos mais famosos capoeiristas do país.

Treino e oração – É justamente isso que faz o núcleo 100% Jesus, ligado à Associação de Capoeira Cruzeiro do Sul, que atua no Mato Alto, uma região carente do Rio. Ali, jovens da comunidade têm a oportunidade de praticar o esporte, ter noções de cidadania e ainda ouvir o Evangelho pela ONG Casa do Mestre, liderada pelo pastor Márcio Duran. Na entidade, cerca de 200 pessoas são atendidas em diversos projetos esportivos, sociais, culturais e educacionais. A Casa do Mestre tem ajudado até a ressocializar jovens envolvidos com a criminalidade (ver quadro). Já no Ministério Nova Maré, liderado por Mestre Serginho, só participam alunos que congregam em uma igreja e vivem uma vida verdadeiramente cristã. O grupo tem hoje aproximadamente 70% de evangélicos, a maioria dos quais conheceu Jesus justamente pelo trabalho de evangelismo ali realizado.

“Mesmo os que ainda não se decidiram na fé aceitam nossas orações e sempre ficam para ouvir uma palavra no final do treino”, conta Serginho da Maré. Além disso, valores como a importância da família e do trabalho sempre são enfatizados nas conversas à beira da roda. O pessoal do Nova Maré tem se destacado não apenas pelas camisas temáticas, com o nome “Jesus” em letras grandes, mas também pelo talento no esporte. Eles acabam de voltar de uma viagem à Suécia e França. “Lá, realizamos shows, palestras e intercâmbio cultural”, explica Serginho. Ele gosta de citar o texto de 1 Coríntios 1.27 como uma espécie de lema do grupo: “Deus escolheu as coisas loucas deste mundo para confundir as sábias”, recita o capoeirista.

Um dos precursores do movimento de evangelismo por meio da capoeira é o presbítero Altair José dos Santos, da Igreja Presbiteriana Getsêmani, de Santos (SP). Se seu nome for proferido numa roda de capoeira, ninguém saberá de quem se trata – mas basta mencionar seu apelido, Mestre Chocolate, para perceber um respeito quase reverente. Dono de muita experiência e de uma técnica apurada – é técnico da Seleção Santista de Capoeira e presidente da Liga Regional Santista de Capoeira –, Chocolate lidera o grupo Nova Visão, na cidade paulista. Ele garante que a prática do jogo tem sido uma abençoada maneira de ganhar almas para Jesus: “Nas ruas, nosso procedimento é muito simples – quando estamos jogando e reunimos um grupo de espectadores, paramos a capoeira e falamos do amor de Cristo”, relata. “Usamos comparações da luta para falar das batalhas espirituais, explicando que o ataque e a defesa não se dão apenas no aspecto físico, mas também no espiritual.”

Assim como Mestre Verdinho, Chocolate também passou por um período de crise pessoal quando entregou-se a Cristo. Ele parou de praticar capoeira por um bom tempo, até que conheceu os Atletas de Cristo, organização que reúne esportistas evangélicos de diversas modalidades esportivas para promover a comunhão e o evangelismo por meio de sua linguagem. Após muito estudo bíblico, oração e dedicação, Chocolate voltou à capoeira e logo iniciou o Ministério Nova Visão, que tem hoje mais de 500 alunos e uma filial na Colômbia. O grupo já se apresentou também nos Estados Unidos e até na longínqua Nova Zelândia. “Temos tido muita graça de Deus e diversos frutos nesta caminhada”, comenta. Ainda, segundo ele, o trabalho envolve crentes de variados perfis, como pastores, diáconos, músicos e professores de Escola Dominical. São missionários na Jocum ( Jovens Com Uma Missão), pastores e pastoras, diáconos,  professoras de crianças, levitas, músicos e muitos outros que ainda não trabalham com cargos de liderança.

Reconhecimento – Para o paulista Sergio Luiz Vieira, 49 anos, presidente da Federação Internacional de Capoeira (FICA), o mais elevado órgão representativo do esporte em âmbito mundial, a presença de praticantes evangélicos é bem-vinda. Ele falou à reportagem de ECLÉSIA: “A capoeira é um esporte e não tem ligação com nenhuma religião”, explica, e com conhecimento de causa – além de ex-campeão brasileiro como praticante e campeão mundial, em 2002, como técnico, Vieira também é evangélico. Ele pesquisou bastante o assunto: “A mais antiga referência que temos à capoeira data de 1770. Conta-se que um tenente português conheceu um modo diferente de lutar, oriundo da China, e que logo foi aprendido pelos escravos. Portanto, é uma manifestação multicultural nascida a partir do encontro do elemento negro, branco e indígena”, ensina.

Segundo Vieira, que é graduado em educação física, mestre em ciências sociais e doutor em antropologia, a capoeira é jogada em mais de 130 países. Mas é o Brasil que tem o maior número de praticantes – “Cerca de 5 milhões”, calcula. Ela é reconhecida pelo Comitê Olímpico Brasileiro (COB), que tenta, junto com outras federações nacionais, incluí-la no rol das modalidades olímpicas. “Reconheço este movimento chamado de capoeira gospel como uma excelente ferramenta para o alcance de crianças e jovens, adultos e idosos”, destaca o dirigente. “Este é um segmento muito importante da capoeira, o qual tem muito a oferecer às comunidades cristãs evangélicas. Só que existe a necessidade de um maior nível de formação de quem a leciona”, ressalva o dirigente da FICA, que tem sua sede em Atibaia (SP).

A proximidade entre a fé evangélica e a capoeira já virou até tema de dissertação acadêmica. Oficial da Igreja Renascer em Cristo e líder do grupo de capoeira Aba Pai, o professor Hélio Silva dos Santos – ou, simplesmente, Mestre Dendê –, acaba de concluir uma pós-graduação em educação física defendendo o trabalho A capoeira e sua utilização como instrumento de arte e evangelismo. No dia da defesa da tese, os integrantes do Aba Pai se apresentaram na faculdade, para uma platéia de 300 pessoas. “Não se pode falar em um novo estilo de capoeira”, diz Hélio. “Mas o que está acontecendo é um verdadeiro movimento de evangelização.”

O resultado desse trabalho é a mudança na vida de gente como o missionário Fabiano Zanghelini, de 24 anos. Ele foi alcançado pelo Evangelho pelo Ministério Shekinah Capoeira, da Comunidade Batista Vida Nova, de Jaraguá do Sul (SC). “Deus usou o Diego Marcolla e a sua capoeira para me abençoar”, conta, referido-se ao dirigente do grupo. “Eu estava no fundo do poço, mas o Senhor restaurou a minha vida”, comemora. Hoje, Fabiano é missionário formado pela Escola de Treinamento e Discipulado da agência Jovens com uma Missão (Jocum), e tem desenvolvido seu ministério na cidade mineira de Belo Horizonte. “Eu sou a prova de que Deus pode usar a capoeira para salvar vidas”, encerra.

Sandra BraconnotColaborador

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